24 horas só para mim


Se tivesse 24 horas sem obrigações, sem horários, sem ninguém à espera de nada… acho que no início nem saberia o que fazer com tanto silêncio. A liberdade total pode ser assustadora para quem está sempre a correr para cumprir, a responder, a aguentar.

Mas depois de respirar fundo, começaria devagar.
Sem despertador. Sem barulho. Sem pressa.

De manhã, deixava o corpo decidir
Acordava com o sol a entrar pela janela, sem culpa de ter dormido “demais”. Deixava o corpo espreguiçar-se até ele próprio dizer “já chega”. Talvez fizesse um café daqueles que se saboreiam com tempo — não porque preciso de acordar, mas porque sabe bem.

Talvez lesse umas páginas de um livro que já ando a adiar há meses. Ou talvez não lesse nada. Talvez olhasse só pela janela e visse o mundo a andar… sem mim. E isso, por uma vez, seria libertador.

Durante a tarde, voltava a mim.
Saía de casa, sem destino. Andava pelas ruas como turista da minha própria cidade. Sem fones nos ouvidos, só para ouvir a vida. Talvez me sentasse num banco de jardim só para observar: as conversas soltas, os risos, os silêncios de quem caminha sozinho.

E depois, voltava a casa com uma vontade antiga:
Pegava na guitarra, com dedos ainda meio enferrujados, e tocava. Tocava até deixar de tropeçar nas cordas. Até aquela música dos The 1975, aquela que sempre me escapou por uma nota ou outra, fluísse finalmente sem calinadas.
Sem pressa. Sem julgamento. Só eu, o som, e aquela sensação boa de recuperar partes de mim que tinham ficado para depois.

À noite, cuidava de mim
Preparava um jantar só para mim, como se fosse visita. Sem “é só qualquer coisa”, sem micro-ondas. Colocava música, talvez dançasse descalça pela casa. A vida é demasiado curta para levar tudo a sério.

Tomava um banho longo, daqueles em que a água leva também o peso dos dias. Vestia roupa confortável e deitava-me cedo… ou tarde, sem culpa. Talvez visse um filme antigo, talvez adormecesse no sofá.

O mais importante? Não sentir que tinha que fazer algo útil com o meu tempo. Ser, já era suficiente.
Porque às vezes, o maior luxo não é viajar, comprar ou produzir.

É existir sem ser exigida.
É ter um dia que é só meu.

E talvez, nesse dia, eu não fizesse nada de extraordinário.
Mas finalmente voltava a mim — e à música — com as cordas certas.

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