Crónicas de Uma Mãe em Horário Duplo


Episódio 2: “Coisas Que Ouvi e Ainda Estou a Processar”

Trabalhar numa loja é como estar dentro de uma peça de teatro improvisada onde o público tem microfone e zero filtros. Entre um “boa tarde” e um “onde estão os biquínis?”, somos bombardeadas por frases que desafiam a lógica, a gramática e, por vezes, a realidade.

Aqui estão algumas das melhores pérolas que ouvi — e que o meu cérebro ainda está a tentar digerir:

“Isto lava-se?”
Contexto: cliente a segurar uma t-shirt branca.
Resposta interna: Não, é uma peça descartável. Usa-se uma vez e depois oferecemos ao vento.
Resposta real: “Sim, claro! Instruções na etiqueta.”

“Tem cuecas... mas para presente?”
Desculpa, como? Cuecas... para oferecer?
Queria uma caixa especial, talvez um laço? Um bilhete?
Quem recebe? Uma avó? Um crush? Ainda hoje penso nisso. Todas as noites.

“Tem este top... mas com mangas, mais comprido, em azul, mas não azul-azul?”
...
É aqui que desligo mentalmente. Entro numa dimensão paralela onde as peças se transformam como Pokémons. Tentei ajudar, mas ela acabou por comprar um boné. Em rosa. Vai-se lá entender.

“Já trouxe este top três vezes, mas continuo sem saber se gosto”
E continua a trocá-lo.
Num ciclo emocional profundo com a peça.
Eu já o apelidei de “O Top Tóxico”. Espero que ela se liberte.

“Tem um vestido assim... tipo Zara mas mais barato?”
A comparação direta. O desejo inalcançável.
Eu disse que não temos Zara, mas temos coragem.
Não convenceu.

“Trabalhar aqui deve ser giro, não é?”
Giro.
Giro é ver séries no sofá com snacks e silêncio.
Isto aqui é resistência física e psicológica com sorrisos incluídos. Giro? Talvez. Numa perspetiva muito... antropológica.

Reflexão:
Estas frases não são apenas palavras soltas. São fragmentos de um mundo onde tudo pode ser dito sem contexto, onde as perguntas são tão criativas que mereciam prémios. Eu devia estar a dormir, mas estou aqui, deitada, a pensar no mistério das cuecas para presente. E se isso for amor?

Trabalhar com o público é uma aventura existencial. Não aprendemos só sobre vendas — aprendemos sobre linguagem, limites e como sorrir mesmo quando estamos a gritar por dentro.

E tu? Já ouviste algo tão estranho que ficaste em pausa 3 segundos? Partilha. Para eu saber que não estou sozinha.


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