Um dia perfeitamente caótico na loja (versão: se eu pudesse fazer o que me apetecesse)
Toda gente já teve um daqueles dias em que tudo parece uma simulação mal programada. Agora imagina trabalhar no atendimento ao público… num dia em que, por alguma razão cósmica, as regras deixaram de existir e eu – só por hoje – podia dizer tudo o que me apetecesse, fazer o que me desse na real gana, e agir como se estivesse num reality show e não num corredor de leggings desorganizadas.
Ia ser lindo.
10h00 – Abertura da loja
Entro com aquele entusiasmo de quem sabe que vai ouvir a frase “desculpe, não tem em stock?” umas 42 vezes antes do meio-dia. Os colegas já estão naquela fase do café em silêncio, onde todos trocam olhares cúmplices do tipo “força, guerreira”.
Hoje, decido que vou viver este turno como se fosse um episódio especial da minha sitcom pessoal. Cenas ridículas incluídas.
10h47 – Cliente com exigências mágicas
Primeira abordagem do dia:
“Desculpe, têm este casaco em lilás pastel, mas sem botão, com fecho invisível, no tamanho 36 e com desconto?”
Respondo com o sorriso habitual e verifico no sistema (nada).
Mas se hoje eu pudesse...
“Claro, querida. Está na secção de sonhos impossíveis, entre o unicórnio que limpa a casa e a fada que paga contas.”
11h32 – O Apocalipse das Meias
A zona de meias parece ter sobrevivido a um pequeno tornado. Uma senhora decide abrir TODOS os packs para ‘ver bem o tamanho’. Deixa meia dúzia soltas como se fosse um mercado de roupa usada.
Hoje, em vez de arrumar, pego no microfone:
“Queridos clientes, começa agora o Torneio Nacional de Desorganização. Categoria Meias: recorde batido.”
12h17 – A caixa do terror
Cliente: “Isto devia ter desconto. Vi numa influencer no TikTok a dizer que estava a 2,99!”
Eu: versão educada – “Talvez seja uma campanha antiga.”
Eu, versão livre: “Vi um TikTok de um homem a cozinhar uma pizza no motor do carro. Não quer tentar isso também?”
15h50 – Cliente invisível
“Desculpe, posso só fazer uma perguntinha rápida?” (nunca é só uma.)
Cinco minutos depois, ainda estou ali a tentar explicar por que razão a peça da montra não está à venda enquanto a pessoa segura 18 sacos, 3 crianças e um carrinho.
Numa dimensão alternativa, eu diria:
“Se for rápido como uma ida ao IKEA, daqui a pouco já estamos a viver juntos.”
17h00 – Arte contemporânea no chão
Encontro um soutien pendurado num cabide… em cima de uma planta decorativa. Um cabide com um vestido de criança dentro da prateleira dos cosméticos. Um chinelo tamanho 45 no meio das velas aromáticas.
Hoje, em vez de arrumar tudo, deixo ali com uma plaquinha:
“Instalação artística: O Caos Consome Tudo. Visitas guiadas às 18h.”
18h55 – Final Boss: famílias ao fecho
A loja a acalmar, eu a sonhar com jantar e sofá, e...
ENTRAM. TRÊS. FAMÍLIAS.
12 pessoas, 3 carrinhos, crianças em modo “não paro quieto desde 2019”.
Hoje, não me escondo. Hoje, levanto os braços e digo:
“Senhoras e senhores, bem-vindos ao desafio ‘Vamos fechar a loja às 23h!’. Bora lá!”
Sobrevivi. Mal, mas sobrevivi.
No fundo, adoro o que faço (às vezes), mas convenhamos: o atendimento ao público devia contar como experiência de guerra emocional. Somos psicólogos, detetives, atletas, organizadores de caos, e mestres zen – tudo por um salário simpático e um "obrigado" de vez em quando (se tivermos sorte).
Mas até lá... deixem-me sonhar com este dia fictício onde tudo corre muito fora do normal – e eu também.
Assinado:
Uma funcionária com paciência infinita e uma imaginação ainda maior.
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